quarta-feira, 11 de janeiro de 2012

O valor das astreintes pode superar o limite de alçada dos Juizados Especiais Cíveis Estaduais?

O Presidente do STJ suspendeu execuções de multas milionárias de processos que estão em trâmite em Juizados Especiais Cíveis Estaduais (Lei nº 9.099/95). Vejam um resumo da controvérsia:

Suspensas execuções de multas milionárias arbitradas por juizado especial 
O presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), ministro Ari Pargendler, suspendeu duas execuções contra o Banco Santander, que superam R$ 9,6 milhões. As cobranças são relativas a multas por descumprimento de ordens judiciais (astreintes) no curso de ações de consumidores contra a instituição bancária, que tramitam no juizado especial do Maranhão.

O banco ajuizou reclamações para questionar o limite da competência dos juizados especiais para executarem seus próprios julgados em quantia superior ao valor da alçada que lhe compete. A Lei 9.099/95, que disciplina os juizados especiais, prevê a competência apenas para processar causas cujo valor não exceda 40 vezes o salário mínimo.

O Santander alega que a Lei dos Juizados Especiais impede que causas que ultrapassem o valor de alçada tramitem perante esses juizados, sendo, portanto, incompetentes para julgar a demanda. Quer, por isso, a anulação de todas as decisões proferidas e que se remetam os autos a uma das varas cíveis da capital maranhense.

O banco sustenta, ainda, que a escolha do consumidor pelo juizado especial implica sua renúncia tácita aos valores que ultrapassarem os 40 salários mínimos. A limitação, afirma a defesa do Santander, embora não se refira a juros, correção monetária e honorários (fixados por critérios objetivos), abarcaria os valores atinentes à astreinte. Isso porque não se trata de um simples encargo inerente à condenação, mas de uma multa estimada segundo critérios subjetivos.

Ao conceder as liminares requeridas, Pargendler constatou que os valores executados excedem os limites da jurisdição dos juizados especiais. Nos dois casos, há mandados de segurança pendentes de análise no juizado especial. Para o presidente no STJ, o eventual levantamento das quantias prejudicará esses julgamentos. O processamento das reclamações no STJ se dará na Segunda Seção, conforme o que determina a Resolução 12/2009.

Casos concretos
Uma das ações teve início no 4º Juizado Especial Cível e das Relações de Consumo da Comarca de São Luís (MA). A consumidora teve seu nome incluído em cadastro de proteção ao crédito por suposto inadimplemento em financiamento de veículo. Em 2008, o juizado especial condenou o banco ao pagamento de indenização por danos morais de R$ 4.150; determinou a retirada do nome da consumidora do cadastro de inadimplentes e obrigou o banco ao recebimento de parcela do financiamento do veículo, sob pena de multa diária de R$ 10 mil.

Na fase de cumprimento de sentença, o juiz entendeu que o terceiro ponto não havia sido cumprido pelo banco e aplicou a multa, que atualmente superaria os R$ 9 milhões. O Santander impetrou mandado de segurança contra a decisão, mas a Terceira Turma Recursal Cível e Criminal da Comarca de São Luis do Maranhão autorizou o levantamento do valor. Daí a reclamação ajuizada no STJ. O relator é o ministro Massami Uyeda.

O outro caso tramita no 13º Juizado Especial Cível e das Relações de Consumo de São Luis. No curso de uma ação movida em 2009 contra o Santander, o consumidor obteve sentença para que fosse determinada a exclusão do seu nome de qualquer cadastro de proteção ao crédito, sob pena de multa de R$ 1 mil diários.

Alegando descumprimento da decisão, o consumidor ajuizou execução em novembro de 2011 no valor aproximado de R$ 677 mil. O juízo determinou a constrição do valor e o depósito em juízo. O banco entrou com embargos à execução, em que apresentou seguro garantia para substituir a penhora.

Paralelamente, a defesa do Santander impetrou mandado de segurança, para que o Tribunal de Justiça do Maranhão se manifestasse sobre a incompetência dos juizados especiais para a apreciação da execução. Inicialmente, uma liminar foi deferida, mas o magistrado relator reconsiderou e mandou seguir o processamento do feito no juizado especial.

No mesmo dia, o 13º Juizado Especial – onde tramitavam os embargos à execução – julgou improcedente a contestação e expediu o alvará para que o consumidor levantasse o valor depositado em juízo. Foi então que se seguiu a reclamação ao STJ. O relator do caso é o ministro Luis Felipe Salomão.

Comentários do Prof. Rodrigo Chindelar:
O art. 3º, inciso I, da Lei nº 9.099/95 realmente estabelece que o JEC tem competência para a conciliação, processo e julgamento das causas cíveis de menor complexidade, cujo valor não exceda a 40 (quarenta) vezes o salário mínimo.
Pois bem, o §3º do próprio art. 3º prevê expressamente que a opção pelo rito sumaríssimo importa renúncia tácita ao crédito excedente ao limite de 40 (quarenta) salários mínimos, excetuada a hipótese de conciliação. Assim, durante o ato conciliatório, as partes são livres para excederem o valor de alçada previsto no inciso I do art. 3º.
Porém, a controvérsia não é essa. As astreintes (multa periódica arbitrada pelo magistrado) constituem uma forma de "medida de apoio" utilizada pelo magistrado na consecução do cumprimento de uma obrigação de fazer, não fazer ou de entrega de coisa diversa de pecúnia. Este instituto tem previsão expressa no art. 461, §5º, do CPC. O intuito deste dispositivo não é o de atribuir uma indenização a outra parte, mas sim de exercer pressão sobre o devedor para que ele cumpra a sua obrigação positiva ou negativa, a depender da espécie.
Enfim, quando essa multa periódica se protrai no tempo e o devedor queda-se inerte em cumprir a sua obrigação de fazer, não fazer ou entregar coisa, em sede de Juizado Especial Cível, pode o valor exceder os 40 (quarenta) salários mínimos?
Os devedores vão sustentar que a opção pelo rito sumaríssimo do JEC impede que o credor obtenha um valor superior ao de alçada, até porque a própria lei só admite a percepção de valores superiores ao de alçada no caso de conciliação. Além disso, como argumento obiter dictum, podem sustentar ainda a aplicação da tese do "duty to mitigate the loss", como expressão da boa-fé objetiva. Na vertente do dever de cooperação, o Enunciado 169 da III Jornada de Direito Civil do CJF estatui que “o princípio da boa-fé objetiva deve levar ao credor a evitar o agravamento do próprio prejuízo”. Neste sentido, consagra-se o chamado duty to mitigate the loss no ordenamento jurídico brasileiro. Tal tese se baseia na obrigação que tem o credor de buscar evitar o agravamento da situação do devedor. O credor de uma obrigação precisa colaborar com o devedor quando na tomada de medidas cabíveis para buscar que o dano sofrido se restrinja as menores proporções possíveis. O STJ já abraçou esse tese. Basta uma consulta ao seguinte julgado: REsp 758518/PR, Rel. Ministro VASCO DELLA GIUSTINA (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/RS), TERCEIRA TURMA, julgado em 17/06/2010, REPDJe 01/07/2010, DJe 28/06/2010.
Por outro lado, os credores podem argumentar que a situação do devedor só chegou neste ponto por conta da inércia deles próprios e que, neste caso, a multa somente ultrapassou o valor de alçada por livre e espontânea vontade dos devedores, os quais não podem se comportar de maneira contraditória agora, uma vez que isto poderia redundar em um verdadeiro abuso de direito (art. 187, do CC) - proibição do venire contra factum proprium. 
Portanto, devemos aguardar o posicionamento definitivo do STJ sobre a matéria, já que as execuções foram suspensas de forma correta pelo Presidente da Corte, em caráter liminar (cognição sumária).
Apenas a título de ilustração, o STJ já decidiu no REsp 1019455 que a decisão que fixou astreintes não se subsume a coisa julgada material e que tal matéria pode ser ventilada em sede de exceção de pré-executividade.
Vamos aguardar! 

2 comentários:

  1. Grande iniciativa, professor! Já está nos favoritos. Grande abraço.

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    1. Obrigado, Leandro! Vou me esforçar para fazer o melhor para vocês! Abraços!

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